quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Sem título

Ouvi certa vez que somos o resultado dos traumas de outras pessoas e concordo plenamente. Minha psicóloga também disse que todos nós temos vários baús nos quais guardamos nossos diferentes traumas e devemos cuidadosamente abrir e organizar cada um deles.
A pessoa que sou hoje é resultado disso, resultado das pessoas com quem me relacionei, amei, odiei, resultado dos meus erros e acertos. Essa pessoa é completamente diferente de quem eu era há três anos e elas, se fossem colocadas frente a frente não se dariam bem.
Eu, logo eu que costumava dizer que não acreditava em mudança, regeneração, mudei assustadoramente.
Mas até chegar aqui eu machuquei muita gente, por medo, insegurança, ciúme. A primeira vez que senti ciúme foi quando tinha quatro anos e minha primeira prima nasceu, os adultos achavam graça e incentivavam, então a minha prima hoje carrega traumas que eu causei por conta do ciúme (ela nem se dá conta disso). 
Acho injusto o "modus operandi" da vida. A gente aprende certas lições quando já é tarde demais e geralmente só aprendemos depois de errar muito. 
Logicamente daqui para frente vou agir conforme as mudanças que aconteceram, mas as coisas que fiz no passado estão lá. Eu gostaria de ter sido bem menos orgulhosa e menos ciumenta com todo mundo a minha volta, esses sentimentos me destruiram. 
 

Título

quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Soterrada

Eu tinha uma tarefa simples: entregar a caixinha para a dona Flor no 10° andar do edifício comercial n° 1703 no centro.
Ao entrar no prédio, a galeria que levava aos elevadores tinha o teto pintado como o céu, um corredor imenso com o teto de céu. Tão lindo que parei para apreciar a pintura por alguns minutos e por diversas vezes acreditei que eu estava mesmo entre as nuvens, senti o cheiro do 'paraíso' e a paz da imensidão azul. O sentimento foi tão intenso que cheguei a esquecer qual era o número da sala da dona Flor.
Caminhei por apenas um segundo e tudo ficou escuro e confuso.
Eu não podia me mexer e sentia muita dor. Desmaiei.
Ao recobrar a consciência foi mais fácil de entender o que tinha acontecido: o edifício da dona Flor havia desabado bem sobre a minha cabeça - literalmente.
Não sei quantos andares tinha ali, mas se eu estava indo visitar o décimo, havia pelo menos 10 andares de escombros em cima do meu corpo. Tudo era dor. Um cheiro muito forte, um breu total, minha boca estava cheia de poeira e tenho certeza que alguns órgãos  foram perfurados. Dor, tudo era dor. Desmaiei.
Eu ouvia alguns gemidos por perto, mas não conseguia decifrar sequer uma palavra ou pedir socorro.
O trabalho dos bombeiros precisa ser delicado para que não acabem tirando a vida de algum soterrado e trabalho delicado demora.
Eu não sei onde foi parar a caixinha da dona Flor e sequer sei o que tinha dentro dela. Eu só tinha que entregar a caixinha. Desmaiei.
É impossível ter noção da passagem do tempo quando se está debaixo de escombros e com tanta dor.
Eu quase não consigo respirar. Me encontrem logo, eu clamo em silêncio mas em desespero!
Não ouço barulhos e não vejo luz. Sinto a falência de vários órgãos.
Eu não sinto mais o cheiro das nuvens, eu sinto o cheiro da morte. Não posso mais respirar ou eu não quero mais respirar. Dez andares, tem dez andares em cima de mim. Não há esperança, não há vida.
Dona Flor, o que tinha na sua caixinha que tomou a minha vida?
Eu puxei o ar e ele não veio.

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

The killer kiss

Beijo. Um beijo pode servir para demostrar afeto, um beijo na testa pode ser sinal de respeito, um longo e lento beijo de língua pode destilar pelo corpo sensações e arrepios, fazendo com que o sangue circule mais rápido, o coração acelere, as bochecas fiquem vermelhas, as mãos percam o senso de pudor levando as almas a se unirem em um estado puro de prazer.
[Geralmente o beijo está inserido em um contexto positivo, carinhoso ou erótico, mas esse mesmo beijo pode causar a morte.]
E foi em um desses beijos intensos, sendo abruptamente agarrada pela cintura, amolecendo o corpo, perdendo a compostura, puxando o cabelo e mordendo o lábio inferior, que o beijo foi a causa mortis de alguém. Não eu, mas a garota no canto que assistia a cena daquele a quem ela tanto desajava e que se deliciava com outra boca, excitando-se com outro corpo e bebendo dos prazeres que este lhe causava.
Ela observou o beijo que a mataria, permitiu que o veneno percorresse suas veias e atacasse seus órgãos, paralisou seu coração, adoeceu seu espírito e remoendo o ciúme, uma lágrima escorreu vagarosamente pela pálida pele, seus olhos vermelhos fitavam o casal com ódio e dor. 
Naquela noite o beijo da morte fizera mais uma vítima.